quarta-feira, junho 14, 2006

PATAGÓNIA CHILENA - 1 a 9 de Abril 2006 - de PuntaArenas a El Calafate

(Patagónia Chilena)

Punta Arenas é uma cidade turística, talvez não tanto quanto Ushuaia, mas o Chile marca a sua diferença. O centro da cidade poderia ser Europa. A classe da praça principal, a arquitectura dos casarões que a rodeiam, as árvores frondosas, que deixam adivinhar muitos anos desde que alguém ali as plantou. O requinte e o conforto. Os cafés e os restaurantes. Os preços.
Um pouco para lá do centro voltámos à América do Sul. O Chile mantém-se um país mais civilizado que os restantes, mas nos arredores da cidade encontra-se o aroma do terceiro mundo, num recanto onde se amontoa lixo, no calhambeque que passa e nos surpreende por andar, na inexistência de paragens de autocarros, nos táxis apinhados de gente, na indumentária dos nativos, enfim. Escolhemos, pois, um restaurante afastado do centro, que nos servisse boa comida e sem grande inflação. A sorte sentou-se ao nosso lado e chamava-se Carlos, tinha um apartamento que alugaria por uma ninharia, com três quartos, sala e cozinha, tudo à nossa disposição. A Flu tratou de fazer xixi na alcatifa beije do quarto e destruir uma cadeira rococó forrada a camurça vermelha, debruada com um cordel dourado que terminava nuns atractivos berloques. Uma vergonha! Nas noites seguintes dormimos na Kombi.
A Bambi partiu com os nossos amigos. O Marcelo e a Fanny partiriam em dois dias para o Mar del Plata e apesar de desejarmos encontrá-los de novo, sabíamos que não os veríamos mais nesta viajem. Ao Tano dissemos até logo, algures na ruta 40.
Rapidamente encontrámos um mecânico especialista em VW, com quem o Fred partilharia os dias seguintes, aprendendo e ajudando a desmontar um motor por duas vezes, que ao que parece o mecânico da primeira vez só quis mostrar como não se faz. Era um senhor dos seus cinquentas “is”, cuja ponta do nariz e as bochechas o delatavam apreciador da pinga e cujo passado o fundamentava. Outrora eram dois, unha e carne, ele e o irmão, numa época próspera em que não paravam de entrar e sair kombis e carochas pelos portões daquela garagem. Hoje a oficina parece um depósito de volkswagens abandonadas, desde que o irmão faleceu e ele se entregou à depressão alcoólica, mas nem por isso perdeu o conhecimento acerca desta espécie de carros e o aparecimento súbito da nossa Kombinha entreteve-o activamente durante uma semana. A ele e ao Fred.
Eu passei os dias a fazer contas, a actualizar a escrita e a matar saudades via net, estriando a última grande compra no free shop de Ushuaia, uma web cam para portáteis, tudo isto num cafezinho refinado do centro da cidade, onde servem excelentes tostas mistas e um café expresso que quase alcança o português. Já todos os empregados me conheciam e à minha rotina. De manhã já sabiam que eu queria “un café chico y una media luna” e que me sentaria na mesa do fundo, a única que tinha uma tomada nas proximidades. Sabiam que sairia a meio da manhã e que voltaria a meio da tarde, acompanhada por um troglodita com as mãos ensopadas em óleo que pediria um café e ficaria mergulhado no estiloso portátil, saindo em seguida sem dizer água vai e deixando a conta para a senhora pagar. (Suspeito que se refere à minha pessoa… sniff)
Nos intervalos do tempo no café divaguei pela cidade, conhecendo os cantos e os recantos que não deixaram na minha memória muito para contar. O Fredinho encontrava-me à hora do almoço e entre as variadas experiências gastronómicas elegemos os lomitos e as empanadas as especialidades da cidade.
A marginal não está explorada turisticamente e apenas se nota a presença do mar de “Magallanes” porque os chilenos de Punta Arenas e arredores se afirmam “magalhanicos” e não chilenos, num desdém manifesto ao seu país, proclamando-se independentes desse país chamado Chile que “os rouba a torto e a direito”.
Ao fim de uma semana a apertar e desapertar parafusos, o Fred anunciou orgulhoso que a kombi estava de novo como nova.

(Puerto Natales)
Partimos para Puerto Natales, uma cidadezinha mais a norte e mais encantadora, onde o vento sopra gelado mas uma chocolataria de fabrico próprio, estilo chalé suíço todo em madeira, nos fez esquecer do frio, enquanto segurámos com as duas mãos um “submarino”, uma caneca de chocolate quente que nos aqueceu a alma. O mar estava cheio de carneiros e não se via gente na rua, pois nem os nativos se acostumam a tais temperaturas. Ao fundo as montanhas e os cumes cobertos de neve, para lá dos quais se encontrava o nosso próximo destino – Torres del Paine.


O parque nacional de Torres del Paine tem mais de duzentos mil hectáres e engloba inúmeros glaciares, lagos de todas cores, montanhas de todos os feitios e, claro, as três torres que emergem das montanhas brancas, lado a lado, como três arranha-céus de rocha, imponentes.


A estrada de terra serpenteia suavemente, contornando a Laguna Verde, que fala por si, o Lago Sarmiento, azul-marinho, a Laguna Amarga de um azul-turquesa, um outro azul-esmeralda e por fim o Lago Grey, sobre o qual se espreguiça o Glaciar Grey.
Percorremos de kombi algumas dessas estradas, deixando os trekings para uma outra oportunidade em que as temperaturas e o vento nos permitam aguentar fora do carro mais do que os vinte minutos sob o sol incandescente, reflectido na erva seca e dourada que rodeia a Lagoa Azul, azul-azul, a estepe curvada que serve de pasto aos veados que fingiram ignorar-nos nesse fim de tarde gelado, nesse cenário soberbo e montanhoso.

Percorridos uns quilómetros da mágica “ruta austral”, sobreviventes a ventanias inexplicáveis e temperaturas ínfimas, à frustração de o posto fronteiriço “Oriental” ou “Paso de los Baguales” estar fechado, saímos por fim do Chile, tornando um pouco mais a sul, por Cerro Castillo.
Apesar da beleza indubitável da 12ª região do Chile, da gentileza da senhora Bete que nos serviu uma “cazuela” quentinha onde ninguém conceberia um sinal de vida – quanto mais um “parador” onde dois chilenos emborrachados se preparavam para voltar para o seu quinhão de cabeças de gado, pois que Bete se recusava vender-lhes uma pinga mais que fosse, enquanto eles nos explicavam num castelhano enrolado a situação da “ganaderia” no Chile – apesar de Punta Arenas e da simpatia dos “magalhanicos”, do encanto de Puerto Natales e das Torres del Paine, apesar de tudo isso, soube-nos bem voltar à argentina.
Só parámos em El Calafate, à uma da manhã, e demos de caras com a Bambi! Quase todos os restaurantes já tinham a cozinha fechada mas o Paolo já ali estava há uma semana, por isso não havia restaurante aonde ele não tratasse o cozinheiro por tu. Levou-nos ao “Los Amigos”, onde o dono uruguaiano nos recebeu sorridente e a conselho do Tano eu escolhi um crepe de santola que estava divinal. O Fred comeu cordeiro, que mais poderia ser, e acompanhados pelo bom humor italiano, pela simpatia uruguaia, e pelo vinho argentino, saímos de lá mais do que satisfeitos. Tão satisfeitos estávamos que voltaríamos no dia seguinte para jantarmos, os mesmos mais uma médica “portenha” por quem o Tano engendrava terceiras intenções.
Seguimos directos para uma festa que chegara aos ouvidos do Paolo. Era num bar catita e pequeno, onde estavam, provavelmente, todos os jovens e turistas de El Calafate. Quando entrámos tocava Red Hot, depois Rolling Stones e penso que ainda dançámos ao som de mais uma ou duas músicas mas depois o DJ deve ter batido com a cabeça na parede e começou a passar tudo o que há de mais piroso em música castelhana. O Fred olhou para mim com aquela cara de “por amor de Deus” e eu consenti com a cabeça. Dormimos na nossa kombi-frigorífico, à porta do hotel onde se instalara o Tano desde que lhe terminara o gás do aquecimento da Bambi e não encontrara uma botija igual em parte alguma.

Sairíamos de Calafate na manhã de 9 de Abril, iluminados por um sol enganador.

(Falta o Glossário!!!!!!!!)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Realmente falta o glossário... Uma pena.

Fred, proponho uma solução:
Se no próximo post não nos explicarem todos os termos duvidosos juntas uma descrição pormenorizada da piela da Sra. Dra. Está na hora de usares o trunfo que disseste ter na manga.

Abraço,
Vicente

segunda-feira, junho 19, 2006 1:27:00 da manhã  
Blogger Helder Gonçalves said...

Caros viajantes,
Um numero crescente de pessoas vai-vos admirando a coragem e as pegadas que nos vão deixando por aqui.Força e continuem a aproveitar.
Abraço,
Helder

quinta-feira, junho 22, 2006 9:48:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Blz de viagem! Estou indo pra la daqui as 19 dias e seu site nos deu muitas informações...Obrigado

Fausto malheiros
www.amigoestradeiro.com

segunda-feira, dezembro 08, 2008 3:11:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home