quinta-feira, abril 27, 2006

Argentina, PATAGÓNIA - Bahia Blanca, Península de Valdez - 13 a 15 de Março 2006


Desde os elefantes marinhos aos glaciares e aos pinguins, passando pelas províncias de Rio Negro, Chubut, Santa Cruz, e Tierra del Fuego, a Patagónia conquistou o fundo do meu coração. Mas se fosse assim tão simples de contar, a história não seria exacta. Como falar-vos desse lugar?
A patagónia é incoerente. Inóspita mas maravilhosa. Monótona e surpreendente. Desde nos questionarmos “porque é que estamos aqui” a gritarmos de deslumbramento como uma criança pela primeira vez numa montanha russa, a Patagónia provocou em nós todos os tipos de reacções, mantendo escondidos os seus encantamentos durante milhares de quilómetros de deserto, apenas vento, pó e mais pó, e só quando já a odiávamos, só quando já lhe mudáramos o nome para “Pógonia” e seguíamos apenas movidos a orgulho, eis que desencanta o “Às” de trunfo, um cheque mate sem cheque prévio. (O Kasparov deve estar com os olhos em bico com uma metáfora tão disparatada)
A chegada à Península da Valdez foi um desses momentos de quase explodir de desespero. Desde Buenos Aires paráramos em duas terriolas – Bahia Blanca e P.Luro – porque a kombi avariara. Ambos os mecânicos arranjaram o problema mas deram-nos outro em troca, de modo que a saúde da kombi também não jogava a favor da nossa boa disposição. A península era a esperança de uma mudança de cenário mas a estrada parecia mostrar-se até ao infinito numa recta incansável de terra, rodeada de estepe curvada pelo vento, até que um oceano azul-escuro vivo se nos apresentou, como primeira cor alternativa ao castanho cor-de-terra patagónico.
Saímos do carro, ainda sem termos tido tempo de nos apercebermos se estávamos contentes por ver o mar, e fomos enfeitiçados, como se por um canto de sereias, mas ao invés, um ruído deselegante, mistura de gemido com mugido e bramido, que nos atraiu para a praia. Foi assim que conheci os elefantes marinhos! Estendidos ao longo da costa, gigantes que pesam toneladas, caras feias mas inofensivas, encavalitados uns nos outros a conversar na praia num fim de tarde que nunca esquecerei. (O que eu nunca mais vou esquecer é o odor fedorento daqueles bicharocos. Parecia que estava a admirar elefantes marinhos na praia da Cruz Quebrada.)

Na Patagónia desapareceram as árvores, os montes, os vales, as curvas e as contracurvas, mas sugiram os animais! Lamas, ovelhas, avestruzes, lebres, tatus e raposas acompanharam-nos ao longo das estradas. Todos argentinos e como tal diferentes. As ovelhas são tão fofas que parecem nuvens com patas. À noite são pardas tal como os gatos e suicidas tal como as corujas. Felizmente nenhuma se saiu bem no seu intento de se espetar contra a nossa kombinha que ainda assim sentiu o sabor da adrenalina derrapando a 80Km/h numa estrada de terra, depois de uma guinada que salvou a louca da ovelha (As ovelhas safaram-se, graças a uma condução eximia da minha pessoa. Já as corujas… certa noite, possuída por um espírito maligno qualquer, a inezinha decidiu dedicar-se ao extermínio destas simpáticas aves patagónicas. Em menos de três horas, enquanto eu dormia tranquilamente, abateu duas deixando-as pregadas no asfalto qual calquito. Uma violência!). Isto, ainda na península de Valdez, dez da noite, escuro como breu e nós no meio duma península deserta de 50000km2, a caminho da única vila, o único lugar onde é permitido parar para dormir. Nós e uma Iveco Turbodaily verde escura, uma carrinha monstruosa 4x4 chamada Bambi, matrícula de Roma, propriedade de Paolo Zanaboni e com ele “una parella” de argentinos de Mar del Plata, Marcelo e Fanny, personagens que serão exploradas mais adiante.
(Paolo e eu) (Marcelo, Fred e eu)(Bambi e Kombi)
Metera conversa com eles à chegada a Valdez, sem imaginar que poderíamos ter a sua companhia nos próximos 3 mil quilómetros de aventuras, já que todos íamos para Ushuaia. Mas para já ainda só passáramos uma tarde juntos e só queríamos chegar a Puerto Pirâmide, para jantar e descansar. Jantar animado pela exaltação tipicamente italiana e pela possibilidade de o Marcelo me levar a voar de parapente no dia seguinte, se assim o vento permitisse.
Dormimos junto à praia, duas carrinhas e uma tenda, e eu mal preguei olho, não tanto pelo frio como pela emoção de poder voar! Às seis e meia levantei-me e o dia prometia estar bonito, com um céu estupendo pela alvorada. Às dez, quando o último se levantava, chovia a potes! Assim se desmanchava o meu sonho de voar, desfeito em água de chuva que caía sobre os meus olhos em forma de desilusão.
Despedimo-nos deles, quiçá nos encontraremos pelo caminho, dissemos, senão, na cidade mais austral do mundo. (“quiçá” é realmente uma palavra bem bonita!)







Glossário
“parella” – casal;