segunda-feira, junho 05, 2006

PATAGÓNIA 24 a 29 de Março 2006 - Ushuaia

À noite vimos um filme de terror com o pessoal da pousada. Daqueles filmes bons que fazem parte de um seriado de 6 ou 7. Aquele seria o Haloween 5, talvez… (imaginem lá o que é que eu fui fazer perante a perspectiva de duas horas de cinema ao mais alto nível… dormir, pois claro!)
Depois adormecemos na cama péssima que nos calhou na rifa, mas em contrapartida, um quarto aprazivelmente aquecido!
Mais dias de sol viriam.

(parque nacional Tierra del Fuego)
Aproveitaríamos a sorte e conheceríamos Ushuaia de uma ponta a outra, arredores incluídos. O Lago escondido, os recantos do parque nacional Tierra del Fuego, o Glaciar Martial, o Faro del fin del mundo. Os melhores restaurantes, a lavandaria, o aeroporto, o super-mercado. Ah! E o café Marcopolo, que tem internet “inelambrica”.

(faro del fin del mundo)

(parque nacional Tierra del Fuego)
A Bambi chegou sem aviso, ao terceiro dia, pelo que se planeávamos ir-nos dali brevemente, a estadia prolongou-se automaticamente por mais uma semana!

Ainda para mais o Marcelo e a Fanny alugaram uma casa que tinha camas de sobra para nós. Mais aquecedor, frigorífico, fogão e cartas! De dia passeio e de noite borga!

Borga como quem diz, porque como o meu mais que tudo não cede a ameaças, não houve procura de substituto que o fizesse mudar um milímetro, e portanto continuou a recusar-se fazer o que quer que implique sair de casa. Mas adiante. (Isto não corresponde à verdade. Saímos uma noite. Um fiasco completo, como estava bom de ver. Terminámos a noite às onze e meia a beber cafés com leite no já referido Marcopolo. Depois perguntem-me porquê que prefiro ficar em casa!)


Um desses amanheceres, por volta do meio-dia, saímos determinados a subir ao Glaciar Martial.
Quando chegámos ao final da estrada e vimos a distância que teríamos de subir a pé, começamos a comentar entre nós dois o quanto desprezável era aquele glaciar à beira do Perito Moreno.
Mas a Flu pulava cheia de energia e isso, aliado ao facto de descobrirmos um teleférico que nos levaria até um terço do caminho, deu-os força para continuar. A Flu teve a sua primeira experiência em Tele-ski-sem-skis mas não se mostrou muito interessada em apreciar a paisagem de lá do alto e fez questão de enfiar o focinho dentro do casaco do Fred e ganir desesperadamente quando lhe dizíamos que visse que bonito era tudo dali de cima.
Quase nos convenceu que tem medo das alturas, o que seria incompreensível, pois não teria a quem sair… Assim que começámos a caminhada foi uma festa! Corria à nossa frente, voltava para trás, subia, descia, rebolava. A subida ainda era suave, caminhávamos entre árvores vermelhas e verdes, pisando a erva forte e escassa do chão.
Um fio de rio gelado vinha lançado desde o cume, correndo sobre as pedras polidas. Rapidamente se foram as árvores e ficamos apenas nós os três e o rio, a montanha tornou-se mais íngreme e o solo estava coberto por uma espécie de musgo espesso muito fofo que fez as delícias da Flu.
Depois foi-se o musgo e o verde, e restavam pedras e mais pedras a perder de vista, numa subida lenta e demorada. O glaciar não parecia aproximar-se e o mar de pedras parecia cada vez maior.
Não desistimos. Parávamos cada vez com maior frequência e tínhamos a desculpa de fotografar o panorama cada vez mais amplo. Por fim terminou o caminho de pedras e o glaciar estava quase ali ao nosso alcance, à distância de uma falésia tombada que não parecia um obstáculo para dois escaladores. E para dois escaladores sem material e com uma cadela? Para que não suceda como na descrição dos pinguins em que me entusiasmei e “teclei” durante 6000 caracteres sem parar, não vos descreverei aquela subida assustadora dos últimos trinta metros antes do glaciar, nem vos contarei sobre o pânico de descobrir que é difícil e perigoso a meio do percurso e já não poder voltar atrás, nem tão pouco vos direi que o Fredim foi o meu herói, escalando só com um braço e agarrando a Flu com o outro.
Direi apenas que chegámos ao topo, sãos e salvos e contentes, e quem sabe terão a oportunidade de ver depois as filmagens ao estilo BlairWitch Project.
Estávamos mais satisfeitos com a conquista do que com o glaciar em si – um bloco de gelo com fendas azuladas estendido aos nossos pés – el Glaciar Martial.
Exploramos uma mini crevasse, tirámos uma foto, demos um abraço e procurámos um local menos íngreme para “bajar”. A descida foi radical mas mais controlada. A Flu fez uma espécie de snowboard mas sobre o cascalho e sem prancha, e a ganir durante toda a descida! Nós imitamos, mas sem ganir.
Nessa noite decidimos estragar toda a nossa investida numa caminhada saudável pela montanha e ensinámos os nossos amigos a jogar ao “olho”, cartas na mesa e duas garrafas de vodka, uma Absolut e a outra “Roskov”. Foi provavelmente a segunda que me foi servida nos intermináveis castigos de shots, pois no dia seguinte fui apresentada à primeira ressaca da minha vida, sendo que prefiro deixar os entreactos off the record (Quem quiser saber pormenores dessa noite, e acreditem que valem bem a pena, peçam-me o NIB e estou certo que chegaremos a um acordo.)
Todos os dias, ao levantar-se, a primeira coisa que o Marcelo fazia era espreitar o vento. Nada de vento. Era inacreditável, pois em Ushuaia normalmente predominam os ventos fortes que trazem o frio das montanhas e que agitam as águas do canal Beagle e o tornam por vezes inavegável. Desde que a Bambi chegara, o sol brilhava forte e o mar parecia um lago que reflectia a paisagem como um espelho. Andávamos de manga curta até às cinco da tarde como fazem os ushuaios sob o clima habitual, quando todos os turistas se agasalham até às orelhas com forros polares e “camperas” de marca. Assim, nestes dias, os ushuaios andavam nus!

Apesar das provas desoladoras de dedo indicador no ar, fomos duas tardes à zona dos “acantilhados”, na esperança de que o vento soprasse por aquelas bandas e se pudesse levantar voo sobre o canal e a vista da cidade, pequenina frente ao abraço da cordilheira.
Não houve vento nem voo, mas as tardes passámo-las bem, passeando ao longo da costa este de ushuaia, na extensão das tais falésias e, mais à frente, nas praias do canal de Beagle, sempre sob “hermosas” paisagens.

Entretanto o Tano descobrira o café Marcopolo. Um cafezinho chique no centro da cidade, que tinha como mais valia internet wireless gratuita. Na realidade eles nem sabiam o que isso era, pois a internet era do hotel do lado, mas a nós dava-nos igual, e então, nas horas mortas – enquanto alguém preparava o jantar, por exemplo – aproveitámos para conversar com toda a nossa família e amigos durante uma ou duas horas ao sabor de um café expresso de qualidade. A minha mãe adorou o café Marcopolo.
Sete dias passados decidimos arrancar nem que chovessem canivetes, senão, mais um bocadinho e ficávamos ali a viver, como se passava com uns amigos do Tano, uma italiana, um suíço e um cão que andavam a viajar numa carrinha Mercêdes Sprinter pela América Latina e que tinham chegado a Ushuaia há três meses!!! …
Bambi e Kombi lado a lado na estrada como da primeira vez, 20 dias depois, 2000km à frente.


Glossário: Queridos leitores (demais incluídos), eu até tinha algum prazer em elaborar – em tom de graça – estes glossários simplórios e supérfluos, mas tendo-me apercebido que alguns de vocês possivelmente se incomodavam com a sua existência e para que os que eventualmente os lessem não correrem o risco de serem de insultados pelos demais, declaro por terminada a Era dos Glossários. (Não entrem em pânico meus amigos que eu convenço a inezinha a continuar estas verdadeiras pérolas da literatura. E tenho um às de trunfo na manga… a noite da ressaca!)