sábado, abril 15, 2006

URUGUAI (continuação), 28Fev a 6Março de 2006

(Fred e Flu, Rambla, Montevideo)

As estradas serpenteiam montes e vales num dos “departamentos” geograficamente mais acidentados do Uruguai – Lavalleja. Compreenda-se que os montes, no contexto uruguaiano, são pouco mais que uma modesta colina, sendo que a maior montanha do país – Cerro Catedral – tem pouco mais de 500m de altitude.
Minas é a capital da província de Lavalleja, e é uma cidadezita pequena como o são todas no Uruguai à excepção de Montevideo. O Uruguai tem quase o dobro da área de Portugal e 3,2 milhões de habitantes dos quais 1,2 vivem na capital. Assim consegue ter-se uma ideia mais clara da tranquilidade deste país, onde o espaço abunda para a gente escassa.
Estávamos em Minas, na praça principal, munidos de 3500 pesos uruguaios que o Fred levantara em Rocha, onde aproveitara para deixar o seu único cartão Multibanco! Perante tamanha riqueza – que tantos dígitos enganam qualquer um – entrámos no restaurante central, a fim de provarmos a famosa carne do Uruguai! A carne tem a fama e nós tivemos o proveito, o melhor bife “de lomo” que comemos desde que temos dentes. Depois de um passeio pelo centro, uma vista de olhos no artesanato regional e as informações turísticas acerca de Lavalleja, estacionámos a Kombi numa praceta e “boa noite senhor polícia que está aí à porta do quartel, a 20m de nós”.
No dia seguinte acordei aflita para fazer chichi. À primeira vista isto pode não ter relevância para a história, mas parece-me importante que estejam a par não só dos prós como dos contras de andar a viajar pelo mundo numa Kombi. Há coisas triviais que se forem menosprezadas poderão ter consequências desastrosas como quase ocorreu nessa manhã. A verdade é que parámos numa praceta onde não havia um café, uma padaria ou qualquer lugar aberto ao público onde houvesse uma casa de banho para que pudesse aliviar a minha bexiga, usualmente cheia pela manhã. Sendo que o jardim da praceta estava fora de questão, corremos dois ou três quarteirões à procura de um café e eu quase sofri a humilhação de o fazer pelas pernas abaixo. Mais a mais a dor da bexiga a distender é tão horrível que quase morri! Finalmente, salva por uma padaria de esquina, de onde sairia um aroma a pão quente que estava incapaz de sentir pela aflição. Moral da história: para dormir, estacionar no meio do mato ou em frente de um café. (isto é uma visão feminina dos contras da Kombi, porque, em bom da verdade, eu assim que acordo procuro o arbusto, árvore, poste ou, em último caso, o pneu do carro mais próximo. Acho que nisso a Flu saiu a mim!)
Passeámos toda a manhã pela serra verdejante que torneia o Salto do Penitente, uma queda de água gelada entre escarpas. A Flu correu alegremente monte acima e monte abaixo até não ter mais fôlego e descemos com ela até ao rio, que atravessou corajosamente, pedra sobre pedra, molhando as patinhas que tremiam como varas verdes.
Passámos pela Arequita, uma montanha cuja face norte lamentámos não estar equipada pois tem uma falésia cheia de potencial, e antes de irmos embora enchemos a termus de café, filtrado sob a paisagem serrana, ao som de Leonard Cohen.
Kombi afinada, estradas alcatroadas, 1 litro de café e 4 gigabytes de música, num abrir e fechar de olhos percorrêramos toda a costa das províncias Maldonado, Canelones e Montevideo.
Punta del Este não foi o pesadelo que imagináramos, pelo contrário, apresentou-se-nos solarenga e silenciosa, que a época alta terminara deixando as praias ao natural, e como se a um sumo de frutas fosse tirado o açúcar, só faltava o letreiro: 0% turistas! O mar é azul-escuro e rebenta nas plataformas rochosas aonde se estendem os lobos-marinhos em dias privilegiados. As praias são pequenas e na memória ficam uns dedos gigantes, 4 metros de altura que emergem da terra esculpidos em areia. As ruas são limpas e tranquilas, e se as casas ostentam riqueza em sua maioria, não ferem por demais o resto do país, uma vez que não há uma tão escandalosa disparidade entre os extremos das classes sociais. Maior pontuação para Pedro, um velho argentino, que almoçava numa mesa de campismo à porta da sua linda kombi, equipada por si próprio para viajar pelo mundo!
Montevideo não nos convenceu. Faltou-lhe a poesia que compensa os defeitos das cidades grandes. Talvez se tivéssemos entrado na cidade pela avenida costeira em vez de chegarmos pelos subúrbios mal cheirosos, talvez assim, encontrássemos na harmonia entre a Rambla e o amplo Rio de La Plata a deixa para ficarmos uma temporada em Montevideo, e talvez então pudéssemos dizer que é uma capital interessante, qui çá bonita. Teríamos ido ver uma peça ao Teatro Municipal, teríamos passeado a Flu no Parque Rodó e feito um jogging na calçada da Rambla. Quem sabe, teríamos parado para entrar na Catedral Metropolitana quando a perpassámos. E talvez não nos estivéssemos a despedir da cidade sob aquele pôr-do-sol impressionante que iluminava o forte Espanhol pousado no alto do Cerro.
(Rambla - Fred e Flu)
Atravessámos o departamento de San José durante a noite e seguimos até Trinidad, a capital de Flores. Acordámos “temprano” para fazermos os 20km que faltavam para o empreendimento turístico de caça gerido por um português, a propósito do qual o Fred faria um artigo. A planície vasta e aberta, quase sem sinal de árvores ou arbustos, apenas capim baixo em abundância e alguns campos de girassóis, sugere uma tranquilidade tal, que o nosso jornalista, por mais perspicaz, jamais adivinharia as peripécias vindouras. Uma vez que sairá publicado o artigo escrito por um profissional, adianto pouco mais que os hight lights e os episódios censurados.
À boa maneira portuguesa, João Paulo não tardou a convidar-nos para almoçar e para nossa boa surpresa sentou-nos numa mesa com mais quatro portugueses. O Zé, o Joaquim, o Sr.Costa e o Sr.Silva, entre os 50 e os 70 anos, quatro amantes da caça que se reúnem no Uruguai anualmente pelo prazer da caça e da boa cozinha que a ela está associada, e para, juntando o útil ao agradável, tirarem férias das mulheres. Matámos saudades da mesa cheia de boa comida, de boa gente e da boa língua portuguesa, traiçoeira mas encantadora. A conversa chegou ao tema dos sotaques do norte e do sul de Portugal, e foi nesse contexto que um dos senhores afirmou empolgado que no norte ninguém se ofende com um “caralho”. Seguiu-se um silêncio sepulcral e depois as gargalhadas, menos do culpado que corou para o resto da refeição, pois estava uma senhora sentada à mesa e todos são da geração em que os homens são feios, porcos e maus entre homens, mas uns cavalheiros na presença de uma mulher. Uns pediam-me desculpas pelo comportamento do seu amigo, outros pediam-me que compreendesse o seu descuido, que estavam há tantos dias entre homens, e o mais cómico era que todos intercalavam as suas observações com um cerimonioso “Sra Dra”. No final estávamos convidados para passarmos os dias que quiséssemos instalados no conforto de uma casa de campo aquecida, num quarto resguardado do pampero, o vento frio e cortante que sopra violentamente desde as Pampas, as planícies argentinas.
Aceitámos o convite por duas noites e passámos três dias muito agradáveis na companhia dos portugueses e de dois irmãos cubanos, a mulher do João e o Juan, um personagem tão delicioso que merecia uma página só para ele. Infelizmente não é em nada relevante para a história e deixo apenas a referência a ele e a toda a sua generosidade e simpatia.
De manhã o repórter saiu para a caça à rola com o grupo, de câmara às costas em vez da caçadeira. Soubesse eu dos perigos da caça, teria ido despedir-me de lencinho branco na mão e coração angustiado. Ora o senhor Silva, aquele que mais rolas mata por hora, de tal forma viciado em disparar que já tem o ombro em ferida, decidiu variar no tipo de presa e abrir fogo ao jornalista. No final da manhã o meu amor apareceu-me todo furadinho: um chumbo abaixo do ângulo da mandíbula, um na face, na região malar, e outro naquele altinho que lhe ressai da careca. Diz o Sr. Silva, em sua defesa, que apontava para as rolas que voavam baixo, junto aos girassóis que camuflavam o Fred. Contam as testemunhas, que depois de levar a primeira chumbada, a vítima sacudia a cabeça, queixando-se de ter um pico dos girassóis na cabeça!
(Zé, na caça)

Para as meninas foram dias em cheio. A Flu aprendeu a ladrar, dormiu sozinha na kombi, descobriu que adora leite e que é uma seca ter diarreia! Eu vesti-me de doméstica e pus a kombi num brinco, vi filmes dobrados em castelhano, escrevi um pouco do romance, fitei a piscina, passeei pela pradaria e comi que nem um búfalo carnívoro em todas as refeições (comeu que nem uma manada de bufalos, foi mais isso).
(piscina do empreendimento turístico, na qual não entramos por motivos de ordem centígrada)
Despedimo-nos entre todos, jantares prometidos na volta a Portugal, massada de peixe à Fred com os coentros do Sr. Silva, que jurou tréguas ao cozinheiro.

Colónia del Sacramento, capital de Colónia, é património cultural da humanidade. Separada de Buenos Aires pelo Rio de la Plata, o rio mais largo do mundo, que em tempos passados também foi chamado Rio da Prata, a cidade foi palco de inúmeras batalhas entre Portugueses e Espanhóis e saltou das mãos de uns para os outros durante mais de um século, sendo hoje evidentes as influências de ambas as culturas, à medida que se percorre as ruas empedradas, por fim em paz.
Estacionámos na Plaza Mayor, uma praça larga e ironicamente sossegada já que noutra dimensão do tempo era uma zona usada para manobras militares. Hoje em dia está rodeada por quase todos os museus da cidade, incluindo o museu Principal e o museu Português, que estranhámos não serem o mesmo, e é não mais que uns banquinhos de jardim espalhados entre árvores e relvados para os residentes e os turistas, um local ideal para a Flu passear alegremente e fazer as suas necessidades durante a nossa estadia.
É uma vila catita, que conhecemos bastante bem para dentro dos restos das muralhas, passeando por entre as fachadas distintas das casinhas tipicamente portuguesas e das espanholas, pelo farol, as ruínas do forte, as ruazinhas em calçada e a avenida principal que desemboca sobre o panorama daquele mar doce que se estende a perder de vista, que varia de tonalidade ao longo do dia, entre o lamacento e o dourado, e no fim do dia o sol deita-se sobre Buenos Aires, de frente à cidade, e deixa um rastro cor de prata.
Apanhámos uma balsa e dissemos boa noite Colónia, adeus Uruguai.

(praça Mayor)
(Calle des Suspiros)

Duas horas depois as luzinhas de Buenos Aires cintilavam para nós. Para mim, que nunca fui a Nova Iorque, nem nenhuma cidade de arranha-céus, foi fascinante a aproximação à metrópole, como se estivesse dentro daquela imagem de Manhatan à noite, que aparece tantas vezes no início dos filmes… (parecia uma rural pela primeira vez na metrópole)



Glossário
“perra” – cadela (isto a inezinha aprendeu depois de passar vários dias a dizer: “esta es Flu, nostro cano!” E ficavam todos a olhar para ela sem perceber patavina.)
“departamento” – província
“temprano” – cedo

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Nostro cano????
Pareces eu em Madrid, que queria parquear mio automobile.
Somos uns trengos a falar espanhol.
Ocasionalmente vimos ver o teu blog. E sempre que cá vimos babamos. Seus ***********, vão para a ***********, e tal. De tantas saudades do cheiro a cão, decidiram arranjar mais um aí para dar ambiente. Estou a gozar, a Flu é linda. Estamos ansiosos para vos ver aos 3 ao vivo e a cores em Portugal. Ainda se lembram, aquela província de Espanha.
Por cá está tudo brutal, o Gonçalo continua a crescer, e como viram no blog já se ri "bué", e palra como se não houvesse amanhã. Para acabar, cá ficam muitas saudades da família Marta Henriques

terça-feira, abril 18, 2006 1:15:00 da manhã  
Blogger NEUSJUAMOTOS said...

uy que bom que vc gostaran acho de mia terra parabens por suio viagem cariños desde uruguay j.c.b.p eu amo sua terra mio imail coloresjuanca@live.com abracos pra vcs

sexta-feira, abril 02, 2010 2:50:00 da manhã  

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