sábado, abril 01, 2006

URUGUAI, 28Fev a 6Março de 2006

Salto del Penitente - Provincia de Lavalleja La Paloma - Província de Rocha
O Chuí é uma feira gigante no meio do deserto. Está livre de impostos por ser uma cidade fronteiriça, quase terra de ninguém, e entre as dezenas de lojas “tax free” circulam centenas de brasileiros e uruguaios, que abrem os cordões à bolsa para comprar o que quer que seja que os faça sentirem-se num planeta de gente e de movimento, porque na verdade, para norte e para sul do Chuí a estrada é uma recta desesperante de quilómetros a fio sem nada, e se aquela cidade é feia, não mais que um monte de lojas amontoadas, como se um shopping foleiro, é também uma brisa de alívio, um sinal de que não entrámos na estrada sem fim a caminho do nada. (meus amigos, Saramago à parte, podemos estar perante a frase mais longa da literatura lusitana)
Na minha inocência, julgara que ao entrar no Uruguai tudo seria diferente, que o Chuí seria como um separador entre duas realidades distintas (Inezinha do outro lado do espelho). Assim, comemos e partimos, que aquela maré de gente agitava a Flu e se quiséssemos passear não nos escaparíamos de uns valentes encontrões. (Se bem me lembro ainda passámos um bom par de horas em busca de biquinis e desodorizantes, restaurantes e cassetes de vídeo. Conheço o Chuí como a palma da mão.)
A 1km estava o posto fronteiriço do Uruguai. Passaportes carimbados, uma revisão rápida na kombi para verificarem que não tínhamos produtos alimentares frescos – interditos por motivos sanitários – e no momento em que nos autorizavam a seguir caminho repararam na Flu. “Ah verdad” disse prontamente enquanto tirava o atestado de saúde que nos passara a veterinária de Florianópolis. “Tiene tudo en ordem”, sorri confiante, no meu sotaque portinhol. O responsável pela inspecção sanitária, que agora não tirava os olhos da Flu, abanava a cabeça e no mesmo segundo em que lhe pus o papel à frente da cara disse que não. “No pasa”, curto e seco. Olhámo-lo intrigados, pedimos-lhe que visse o atestado com atenção e ele manteve-se impávido e sereno: “No pasa”. Mostrou-nos um papel onde explicava que os animais só passam a fronteira com um certificado especial e a vacina da raiva, “Pero es chica e no puede hacer la vacuna”, expliquava-lhe ansiosa, “solamente quando hicer 3 meses” e enquanto falava ele abanava a cabeça, na mesma expressão irritante, acrescentando apenas que ou íamos e deixávamos a “perra” ou então voltávamos para trás, “por motivos de segurança sanitária del país”. Saí porta fora antes que me desse a mim um ataque de raiva ali mesmo. O Fred, que pouco falara até então, não sei que conversa teve com o senhor, veio ter comigo uns minutos depois dizendo que podíamos ir embora. Ao que parece, a segurança sanitária do país pode ser transposta em detrimento de 20 euros para o chefe do posto. (Já viu euros? A minha conversa resumiu-se a isto. Não pelo problema da Flu. A Inezinha estava com uma fúria tão grande que temi pela integridade física do inspector de sanitas e, na minha modesta opinião, evitei uma crise diplomática)
Tínhamos acabado de entrar e já odiávamos o Uruguai. Passado o episódio da fronteira voltámos à saga da estrada mais longa do mundo, uma linha recta de asfalto que rasga os milhares de hectares de planície, terreiros, pântanos, pastos e poucas árvores, sem um edifício, uma montanha, ou mesmo uma curva longínqua que pudéssemos usar como objectivo de alcance, como esperança de que a monotonia paisagística teria um remate (uma chatice interminável era o que era). Já me cansara de esperar pelos tatus que atravessam a estrada esporadicamente, ou por um outro lagarto de 1,20m como o que víramos ainda no Brasil; já esgotara a imaginação nas nuvens, criando todo o tipo de coisas a partir das suas formas fofas e luminosas e, sem mais alento, decidi encostar-me para trás e fechar os olhos até que parássemos nalgum oásis de gente (bonita imagem para dizer: nas duas seguintes horas babei o vidro inteiro da minha janela, ressonei que nem um elefante marinho e só levantei pestana quando a Kombi parou). Uma bomba de gasolina. Não tínhamos um tostão furado, zero pesos uruguaios, mas felizmente existe VISA no Uruguai. Ridiculamente, estes pequenos sinais de civilização humana animavam-me! Enchemos o depósito e comprámos um mapa que é do tamanho do mapa do Brasil. Planear a viagem por terras uruguaias foi uma alegria, porque ao medirmos a distância entre os pontos por onde queríamos passar, descobrimos que em vez dos mil em diante a que estávamos habituados, tínhamos perante nós um mini país – 300km para ir de uma ponta à outra!
La Paloma mereceria umas palavras, pelo descanso que o vilarejo simpático nos proporcionou, mas o episódio frustrante que ocorreu em Cabo Polónia, no dia seguinte, a 40km, sobrepõe-se às boas recordações. Cabo Polónia é conhecido pelas colónias de elefantes e lobos-marinhos e eu estava entusiasmadíssima com a ideia de ver esses animais gordos pela primeira vez (a obsessão da Inês por estas criaturas simpáticas será sempre uma incógnita para mim). Num “excitex”! Depois de 20min de estrada de alcatrão entrámos num caminho de terra onde um letreiro indicava “C.Polonia 7km” e aí eu já pulava no assento da pobre Kombi. Entretanto aparece-nos um guarda à frente do carro, que nos diz que está interdita a passagem a carros particulares. Que os veículos autorizados nos levam por 120 pesos uruguaios e que não se pode pagar com “tarjeta”. Fomos embora cabisbaixos, que ainda não encontráramos uma porcaria duma caixa Multibanco que funcionasse naquela terra de… enfim, todos os adjectivos depreciativos que possam imaginar me vieram ao pensamento. Ainda perguntei ao guarda se poderíamos ir pé, ao que me respondeu que sim, mas do outro lado o Fred disse que não, porque a Flu isto e aquilo e outras desculpas esfarrapadas para esconder a preguiça que me deixou a uns míseros seis quilómetros de ver os elefantes! (parece que ficou a um numero de acertar no Euro milhões! Eu, na minha inocência, limitei-me a expressar algumas reticencias à perspectiva de fazer 12 quilómetros sobre dunas para ver um grupo de focas gigantes sentadas na praia a apanhar sol. Chamem-me louco!)
Depois de estas e outras paragens pouco felizes em terriolas à beira mar, que tanto deixam a desejar a quem acaba de sair do paraíso costeiro brasileiro, decidimos mudar de cenário, e tentar o interior.
... as posições confortáveis que a Flu escolhe para viajar!