segunda-feira, julho 31, 2006
terça-feira, julho 04, 2006
PATAGÓNIA - 11 a 13 de Abril 2006 - RUTA 40
Eram 8h e o dia já prometia. O Sr. Antipatia sorriu assim que me viu. O céu era de um azul limpo e frio e o sol resplendia ainda rasteiro mas espelhava-se nas montanhas a oeste, que magicamente se haviam coberto de branco, da noite para o dia.
A Flu corria por toda a vila ao encontro de amigos e brincava alegremente e os restantes viajantes preparavam-se para se atirarem à estrada agora seca.
São mais de uma centena de quilómetros de “ripio” incerto e a estrada é ondulada em todas as dimensões até Perito Moreno, mas os tons solitários da paisagem que nos rodeava, radiosa, compensaram os saltos bruscos e as curvas repentinas.
Perito Moreno é uma cidade pequena construída numa planície sossegada. O dia continuava caloroso depois dum breve almoço, pelo que nos mantivemos na 40 até Rio Mayo, a cidade seguinte, onde havia que estudar várias opções, entre as quais desviarmo-nos da nossa estrada para irmos ver os famosos Bosques Petrificados. Confesso o meu entusiasmo no momento e a tão habitual e esperada relutância do nosso repórter em fazer desvios para ver árvores transformadas em pedra.(vão ver porquê!)
Só no dia seguinte, depois de uma viajem tranquila com a aparição da lua redonda e débil sob a luz de um entardecer silencioso, depois de uma noite bem dormida junto ao Lago Musters, na cidade Sarmiento, descobriria que desta vez o nosso céptico tinha razão.
Os Bosques Petrificados não são mais do que um vale terrento de aspecto lunar com inúmeros pedacinhos de madeira fossilizada espalhados no chão e meia dúzia de restos de troncos caídos e transformados em rocha com o passar dos milénios. Nada de árvores ou qualquer coisa que nos leve a imaginar um bosque. Apenas terra e cor de terra, num vale despido e acidentado por crateras e pequenas colinas. (voilá! 140 km para ver cascalho!)
Ultrapassámos rapidamente a desilusão à medida que nos dirigíamos para o norte. A Patagónia continuou a surpreender-nos. Vestiu-se de verde, montanhas cobertas de árvores, vales férteis e lagos coloridos. A palete de cores multiplicara assim que passáramos a fronteira das províncias Chubut e Rio Negro. Duzentos quilómetros depois de Sarmiento a ruta 40 recebia-nos de braços abertos e asfaltada, perdera-se a sensação de isolamento e a noção da nossa pequenez que surgem no inóspito sul patagónico, mas era tempo de mudar e a estrada exibia orgulhosa os seus novos adornos.
Já não havia mais aldeias barrentas e afastadas por dias de qualquer civilização. José de San Martin, Tecka, Esquel, passámos por várias cidades, mas nenhuma nos convidou a entrar.
El Bolsón, por seu lado, em vez de convite fez um ultimato. A 30km da cidade, descíamos às profundezas de um vale escuro pela noite quando nos saltou a roda esquerda dianteira. O susto foi grande e a cem à hora, mas os danos nenhuns.(como se saltar a roda não fosse dano suficiente!)
Passámos a noite dentro da kombi, toda torta, em cima do reboque que nos foi buscar a pedido de um camionista gentil que passou por nós, e não só fez o favor de ligar para o reboque como nos deu meia dúzia de cigarros para aliviar o stress. (a pior noite que passei na América do sul!)El Bolsón marca o início da Provincia de Río Negro e das florestas de Arrayanes de tronco canela, árvores da Patagónia.
sexta-feira, junho 30, 2006
PATAGÓNIA - RUTA 40 - 9 a 11 de Abril 2006 - EL CALAFATE - BAJO CARACOLES
Assim que nos afastámos da cidade, contornando o extremo leste do Lago Argentino, apresentámo-nos à falada estrada que atravessa a Argentina de norte a sul, paralela aos Andes, afamada por troços de terra, de 1000km, que atravessam uma Patagónia de ninguém. Conhecemo-la bem, à Ruta 40, a forte personalidade e as suas manhas. Concluímos que é uma estrada possessiva e que tem um acordo qualquer com as nuvens e com o sol.
El Chalten é uma vila rodeada por montanhas importantes, como o Fitz Roy, onde pretendíamos passar uns dias a fazer caminhadas sob o cenário maravilhoso da alta montanha.
Parámos em Três Lagos, um pequeno “pueblo” isolado do mundo, a 3km da estrada principal. O sol resolveu voltar no fim do dia, a chuva foi-se como veio, repentinamente, e eu senti o murmúrio sorridente e malicioso vindo da ruta 40, segura que voltaríamos para os seus longos braços incertos, “boa noite e até amanhã”.
Três Lagos parecia deserta. Demos três voltas aos dois quarteirões que constituem a povoação e não encontrámos nenhum restaurante até que o senhor da padaria nos apontou para uma casa com um letreiro meio apagado pelo pó: “minutas”. Era a casa onde vivia a senhora que nos cozinhou as duas “milanesas” e dos seus dois filhos mais novos, um rapaz de 19 e uma menina de 14 anos que pôs e levantou a mesa, e que apesar do isolamento da sua aldeia era uma miúda espevitada e castiça, que espreitava para o mundo através de duas únicas janelas: a escola e a televisão.
Saímos de Três Lagos pela manhã e começamos a odisseia pela 40 que, agora de “ripio”, nos saudou com uma nuvem de terra que o vento levantou. Não chovia mas o céu não era do mesmo azul nem o sol tinha a mesma pujança das manhãs em El Calafate.
Nos primeiros cem quilómetros andámos perdidos em curvas e contracurvas, rodeados de montes áridos sem sinal de vida além da pampa seca coberta por uma camada de pó que a torna cinzenta e sufocada. Depois a estrada amansou e ao final da manhã sentíamos uma plenitude inexplicável, na pureza do ar que inspirávamos e expirávamos, no tempo quase parado e no espaço infinito, de quase nada, mas apenas nosso e de mais ninguém.
De vez em quando aparece algo que muda o cenário, um lago, um cume branco ao fundo, um milhafre à caça, um coelho desvairado. Passámos pelo Lago Cardial e por uma aldeia disfarçada pela terra que cobre todos os telhados. Chamava-se La Primera Argentina.
Depois foram quase duzentos quilómetros de dejavú até à povoação seguinte. Cozemos meio quilo de esparguete o qual comemos com um pedaço de carne de cavalo assada que nos ofereceram das sobras do almoço do “parador”, montado numa das três ou quatro casas de Tamel Aike.
Seguimos caminho, de barriga cheia e planos para chegarmos a Perito Moreno, uma cidade por onde passam outras estradas além da 40, e onde teríamos uma maior liberdade de escolha. Íamos a estudar os mapas e ao nosso lado um riozinho acompanhava a estrada. Mais à frente o Rio Chico entrou no Srobel, mais um lago que refresca a monotonia da paisagem e nos tirou os olhos do mapa. Reparámos então que as nuvens estavam pintadas dum cinzento-escuro e pesado e pouco depois começou a chover. A estrada não tardou a ficar empapada e demorámos duas horas para fazer os 70km até à próxima aldeia, derrapando sobre a lama de tal forma que quase nos despistávamos e a sorte é não haverem árvores nem muros por ali. A páginas tantas vimos um tipo em apuros, numa mota que de tão coberta de lama deixava adivinhar uns quantos tombos.
Finalmente respiramos fundo, chegámos a Bajo Caracoles.
Bajo Caracoles é uma aldeia do género das anteriores, meia dúzia de casas cor de terra, isolada de tudo, com a diferença de ter um posto de gasolina. O dono do posto é o dono do único restaurante e da única pousada da aldeola. É um senhor antipático. Perguntámos-lhe se a estrada para norte continuava assim má e ele respondeu-nos que ficava ainda pior, que tínhamos de esperar que a estrada secasse. Podia estar a puxar a brasa à sua sardinha, angariando dois hóspedes para o seu “hostal” provavelmente vazio, mas se nessa noite lhe sairia a sorte grande não seria connosco. Decidimos ficar por ali, pelo sim pelo não, mas dormiríamos na Kombi.
Estávamos sentados no restaurante, rodeados de grunhos, mas abrigados da chuva e do frio lá de fora, com um café quentinho na mão. Nisto entra um jovem coberto de lama dos pés à cabeça, mas com uma expressão amável e uns olhos azuis que sobressaíam da lama denunciando a sua condição de turista. Perguntou num espanhol esforçado se havia quartos livres e o bruto do dono respondeu-lhe grosseiramente que ele nunca entraria num quarto naquele estado. Felizmente o gringo não entendeu patavina. Fizemos de intermediários na conversação e passado meia hora tínhamos na nossa mesa um amigo australiano de banho tomado e cerveja em punho. Chamava-se Phill e era ele quem conduzia a mota que ultrapassáramos no meio da lama. Já tinha descido desde Santiago do Chile até Ushuaia pela costa atlântica e agora aventurara-se a subir pela 40. A noite e a conversa iam no início quando entrou um casal dos seus quarentas porta adentro. Kath e Nic, também australianos, vinham de El Chalten e quase tinham atolado a sua carrinha 4x4. Ainda nem tínhamos terminado as apresentações quando entraram mais três pessoas, que seriam os últimos, os que fecharam um quórum de 8 para o jantar. Anne-Sophie, francesa, trinta e picos, Andy, americano, 31, e Tibor, alemão, cinquentas, todos vivem na Escócia e são geólogos. Estavam por aquelas bandas em trabalho e pretendiam fazer daquele lugar uma base, para estudarem as rochas da região da Cueva De Las Manos, uma gruta das proximidades, famosa por suas pinturas rupestres.
(Tibor e Anne-So, a apanharem pedras, e segundo ela, ainda a sorrirem pela manhã, que mais ao fim da tarde as pedras já serviam como armas de arremesso!)
(Andy, a quem mais tarde passaríamos a chamar de Little Prince, embora aqui não sobressaiam as semelhanças..)
O dono do estabelecimento, que deveria estar satisfeitíssimo com a enchorrada de clientes que chegava àquele fim do mundo, continuava com a sua tromba número um, falando com ar de frete ou de por favor.
Ao sabor dos vinhos argentinos que o Andy desencantou no meio das toneladas de amostras de calhaus que enchiam o porta-bagagens da carrinha e ao som duma mescla de sotaques de inglês, desde o australiano, em maior número, ao mais complicado e engraçado – o do, obviamente alemão, Tibor, partilhámos peripécias de viagens e cascámos o mais possível no antipático mor. Uma noite de pândega.
ruta 40
quarta-feira, junho 14, 2006
PATAGÓNIA CHILENA - 1 a 9 de Abril 2006 - de PuntaArenas a El Calafate
(Patagónia Chilena)
Um pouco para lá do centro voltámos à América do Sul. O Chile mantém-se um país mais civilizado que os restantes, mas nos arredores da cidade encontra-se o aroma do terceiro mundo, num recanto onde se amontoa lixo, no calhambeque que passa e nos surpreende por andar, na inexistência de paragens de autocarros, nos táxis apinhados de gente, na indumentária dos nativos, enfim. Escolhemos, pois, um restaurante afastado do centro, que nos servisse boa comida e sem grande inflação. A sorte sentou-se ao nosso lado e chamava-se Carlos, tinha um apartamento que alugaria por uma ninharia, com três quartos, sala e cozinha, tudo à nossa disposição. A Flu tratou de fazer xixi na alcatifa beije do quarto e destruir uma cadeira rococó forrada a camurça vermelha, debruada com um cordel dourado que terminava nuns atractivos berloques. Uma vergonha! Nas noites seguintes dormimos na Kombi.
A Bambi partiu com os nossos amigos. O Marcelo e a Fanny partiriam em dois dias para o Mar del Plata e apesar de desejarmos encontrá-los de novo, sabíamos que não os veríamos mais nesta viajem. Ao Tano dissemos até logo, algures na ruta 40.
Rapidamente encontrámos um mecânico especialista em VW, com quem o Fred partilharia os dias seguintes, aprendendo e ajudando a desmontar um motor por duas vezes, que ao que parece o mecânico da primeira vez só quis mostrar como não se faz. Era um senhor dos seus cinquentas “is”, cuja ponta do nariz e as bochechas o delatavam apreciador da pinga e cujo passado o fundamentava. Outrora eram dois, unha e carne, ele e o irmão, numa época próspera em que não paravam de entrar e sair kombis e carochas pelos portões daquela garagem. Hoje a oficina parece um depósito de volkswagens abandonadas, desde que o irmão faleceu e ele se entregou à depressão alcoólica, mas nem por isso perdeu o conhecimento acerca desta espécie de carros e o aparecimento súbito da nossa Kombinha entreteve-o activamente durante uma semana. A ele e ao Fred.
Eu passei os dias a fazer contas, a actualizar a escrita e a matar saudades via net, estriando a última grande compra no free shop de Ushuaia, uma web cam para portáteis, tudo isto num cafezinho refinado do centro da cidade, onde servem excelentes tostas mistas e um café expresso que quase alcança o português. Já todos os empregados me conheciam e à minha rotina. De manhã já sabiam que eu queria “un café chico y una media luna” e que me sentaria na mesa do fundo, a única que tinha uma tomada nas proximidades. Sabiam que sairia a meio da manhã e que voltaria a meio da tarde, acompanhada por um troglodita com as mãos ensopadas em óleo que pediria um café e ficaria mergulhado no estiloso portátil, saindo em seguida sem dizer água vai e deixando a conta para a senhora pagar. (Suspeito que se refere à minha pessoa… sniff)
Nos intervalos do tempo no café divaguei pela cidade, conhecendo os cantos e os recantos que não deixaram na minha memória muito para contar. O Fredinho encontrava-me à hora do almoço e entre as variadas experiências gastronómicas elegemos os lomitos e as empanadas as especialidades da cidade.
A marginal não está explorada turisticamente e apenas se nota a presença do mar de “Magallanes” porque os chilenos de Punta Arenas e arredores se afirmam “magalhanicos” e não chilenos, num desdém manifesto ao seu país, proclamando-se independentes desse país chamado Chile que “os rouba a torto e a direito”.
Ao fim de uma semana a apertar e desapertar parafusos, o Fred anunciou orgulhoso que a kombi estava de novo como nova.
(Puerto Natales)
Partimos para Puerto Natales, uma cidadezinha mais a norte e mais encantadora, onde o vento sopra gelado mas uma chocolataria de fabrico próprio, estilo chalé suíço todo em madeira, nos fez esquecer do frio, enquanto segurámos com as duas mãos um “submarino”, uma caneca de chocolate quente que nos aqueceu a alma. O mar estava cheio de carneiros e não se via gente na rua, pois nem os nativos se acostumam a tais temperaturas. Ao fundo as montanhas e os cumes cobertos de neve, para lá dos quais se encontrava o nosso próximo destino – Torres del Paine.
O parque nacional de Torres del Paine tem mais de duzentos mil hectáres e engloba inúmeros glaciares, lagos de todas cores, montanhas de todos os feitios e, claro, as três torres que emergem das montanhas brancas, lado a lado, como três arranha-céus de rocha, imponentes.
A estrada de terra serpenteia suavemente, contornando a Laguna Verde, que fala por si, o Lago Sarmiento, azul-marinho, a Laguna Amarga de um azul-turquesa, um outro azul-esmeralda e por fim o Lago Grey, sobre o qual se espreguiça o Glaciar Grey.
Percorridos uns quilómetros da mágica “ruta austral”, sobreviventes a ventanias inexplicáveis e temperaturas ínfimas, à frustração de o posto fronteiriço “Oriental” ou “Paso de los Baguales” estar fechado, saímos por fim do Chile, tornando um pouco mais a sul, por Cerro Castillo.
Apesar da beleza indubitável da 12ª região do Chile, da gentileza da senhora Bete que nos serviu uma “cazuela” quentinha onde ninguém conceberia um sinal de vida – quanto mais um “parador” onde dois chilenos emborrachados se preparavam para voltar para o seu quinhão de cabeças de gado, pois que Bete se recusava vender-lhes uma pinga mais que fosse, enquanto eles nos explicavam num castelhano enrolado a situação da “ganaderia” no Chile – apesar de Punta Arenas e da simpatia dos “magalhanicos”, do encanto de Puerto Natales e das Torres del Paine, apesar de tudo isso, soube-nos bem voltar à argentina.
Só parámos em El Calafate, à uma da manhã, e demos de caras com a Bambi! Quase todos os restaurantes já tinham a cozinha fechada mas o Paolo já ali estava há uma semana, por isso não havia restaurante aonde ele não tratasse o cozinheiro por tu. Levou-nos ao “Los Amigos”, onde o dono uruguaiano nos recebeu sorridente e a conselho do Tano eu escolhi um crepe de santola que estava divinal. O Fred comeu cordeiro, que mais poderia ser, e acompanhados pelo bom humor italiano, pela simpatia uruguaia, e pelo vinho argentino, saímos de lá mais do que satisfeitos. Tão satisfeitos estávamos que voltaríamos no dia seguinte para jantarmos, os mesmos mais uma médica “portenha” por quem o Tano engendrava terceiras intenções.
Seguimos directos para uma festa que chegara aos ouvidos do Paolo. Era num bar catita e pequeno, onde estavam, provavelmente, todos os jovens e turistas de El Calafate. Quando entrámos tocava Red Hot, depois Rolling Stones e penso que ainda dançámos ao som de mais uma ou duas músicas mas depois o DJ deve ter batido com a cabeça na parede e começou a passar tudo o que há de mais piroso em música castelhana. O Fred olhou para mim com aquela cara de “por amor de Deus” e eu consenti com a cabeça. Dormimos na nossa kombi-frigorífico, à porta do hotel onde se instalara o Tano desde que lhe terminara o gás do aquecimento da Bambi e não encontrara uma botija igual em parte alguma.
Sairíamos de Calafate na manhã de 9 de Abril, iluminados por um sol enganador.
(Falta o Glossário!!!!!!!!)
sábado, junho 10, 2006
PATAGÓNIA 29 a 31 de Março 2006 - ARGENTINA & CHILE - Isla Grande Tierra del Fuego
Dois minutos depois de sairmos da cidade parámos!
Duas brasileiras pediam boleia e quando viram a nossa matrícula do Rio de Janeiro ficaram tão excitadas que nós não tivemos coragem de não parar. Uma foi na Bambi e a Ludi (Ludmila, coitada!), uma carioca “legal”, veio connosco. Durante a viagem surgiu um cheiro estranho a qualquer coisa queimada e eu, à falta de outros suspeitos, ainda olhei de lado para a Ludi mas, de facto nunca ouvira falar de “pus” com um cheiro assim… (Para todos os que não habitam no 375 da Rua de Fez fica a explicação: Pus quer dizer “puns”)
Em Rio Grande deixámos as brazucas e o cheiro permanecia, além disso os Bambinos informaram-nos que durante todo o caminho até ali levaram com “un monton” de fumo preto. Juntaram-se as pistas e a memória de que pela manhã encontráramos umas pingas de óleo debaixo da Kombi. Óleo zeros. Uma desgraça!
O curso fora sinuoso e íngreme quase até Rio Grande e a kombinha estava a perder 1 litro de óleo a cada 100km. Eu – que não percebo nada disto – queria seguir caminho depressinha, mas o olhar incrédulo do Fred fez-me entender que seria o mesmo que dar alta a um tipo com 5 de hemoglobina. Mais valia ter explicado logo!
Comemos e dormimos. “Desayunámos” e lavámos a kombi, toda lindinha para ir ao mecânico. O senhor – uma simpatia – esteve umas horas à volta daquilo com os rapazes, enquanto a Fanny e eu conhecíamos a sua mulher, encantadora, que entretanto nos convidara a beber um “mate” e me ensinava como suavizá-lo para tentar que o Fred ultrapassasse a má experiência da primeira vez. Mas só daqui a uns meses eu voltaria a ser convidada para uns mates e aí sim, tornar-me-ia uma verdadeira adepta do culto Mate. No final o mecânico não cobrou nada, pois não estava seguro do seu diagnóstico e tratamento, pelo que seguimos viagem com uns litros de óleo sobresselentes, just in case. E foi caso disso, que a pobre kombosa continuava a mijar escuro.
Entrámos no Chile em San Sebastian mas não houve grandes mudanças em relação à última parte que percorrêramos na Isla Grande de Tierra del Fuego argentina – o silêncio abunda, interrompido pelo ruído cinzento dos nossos motores; a estrada raramente ondeada, ora de terra ora asfaltada, marginada por campos de estepe e alguns prados a quererem abeirar o verde; uns rebanhos aqui e ali e alguns pássaros resumiam a fauna existente.
Seguimos em direcção à costa oeste da ilha, a uma vila aonde apanharíamos uma balsa para Punta Arenas. Um pouco antes de Porvenir a paisagem é animada pelo aparecimento do mar azul forte e escuro do Estreito de Magalhães e chegados a essa vila pequenina enchemo-nos de sorrisos pois estávamos todos ansiosos por chegar à civilização. Todavia, Porvenir apresentava-se catita e arrumadinha.
Dirigimo-nos ao porto, prontos comprar o bilhete da próxima balsa, crendo que haveria balsa de hora a hora. Já se está a ver. A única balsa do dia partira às 13h e a do dia seguinte seria às 19h. Socorro! Era dia 30, faltavam umas horas para o Fredim fazer 33 anos e estávamos presos no fim do mundo. Sem presentes, sem bolos e sem velas! (Sou um verdadeiro Cristo)
Resignados com o destino, procurámos um hotel e um restaurante onde se pudesse pagar com cartão, pois não tínhamos pesos chilenos e havia uma única caixa automática em toda a cidade que não aceitava Visa! O Marcelo, a Fanny e o Paolo já não se podiam ver nem pintados, que as contrariedades do acaso aguçam o mau feitio e dentro daquela Bambi chispavam faíscas de stress! Entre tantas desditas conhecemos o gerente do Banco, que nos pôs a par de uma peça de Teatro que uma companhia de Santiago trazia essa noite a Porvenir a convite da câmara Municipal. E enquanto o Tano se punha a milhas, caminhando para relaxar, o Marcelo desencantou finalmente uma pousada deste século, que aceitava Visa, American Express e os demais, e que servia jantar! O meu amor afinal teria uma noite decente.
Fomos dar uma volta a pé pela cidade já escura, coberta pela noite limpa e fria. Entrámos no auditório e a peça de teatro já tinha começado. Vimos o Tano sentado na plateia, de sorriso estampado, sentámo-nos, divertimo-nos durante uma hora com os personagens estapafúrdios interpretados lindamente pelos actores e no final aplaudimos todos juntos, concordando que a peça superara em muito as nossas baixas expectativas.
(um diálogo hilariante entre uma branca de neve sexualmente preversa e um capuchinho vermelho totalmente inocente...)
Jantámos muito bem e apesar de não haver bolo, houve cantoria à meia-noite, animados e de taças de vinho erguidas ao Fredim.
(afinal há presentes!)
(e azul é a sua cor preferida! - futebol à parte é claro)
A Fanny ofereceu-lhe um gorro de lã que tricotara durante a viagem, mas o verdadeiro presente foi a meio da manhã, quando o vento decidiu soprar contra as colinas costeiras e o Fred levantou voo, a comando do Marcelo e da Natureza, sobre o estreito Magalhães e a vista da pequena cidade!
(a flu não quis ir..)
Levantaram e pousaram umas três vezes, devido à força instável do vento, que ia e vinha, e quando se ia eles rasavam a estepe dourada e agreste, e levantavam depois num repente, se o vento voltava. Foi nestes altos e baixos que lhe cantámos de novo os parabéns, gritando para o céu, primeiro em castelhano e depois em português.
Às 19h todos prontos, carros atravancados dentro da balsa e passageiros a bordo que se faz tarde.
Três horas de viagem a jogar cartas dentro da Bambi, entre balanços, enjoos e chuveiradas de água salgada, que as ondas magalhanicas não estavam para brincadeiras.
(Falta o Glossário!!!)